“Ô marinheiro marinheiro
(Marinheiro só)
Quem te ensinou a navegar
(Marinheiro só)
Ou foi o tombo do navio
(Marinheiro só)
Ou foi o balanço do mar
(Marinheiro só)”
Cresci entre barro, areia, água do mar, banho de cachoeira e plantas. Embora morasse numa cidade grande do interior, sem mar e sem rio, painho e mainha adoravam jardim. Toda casa que morei tinha planta. Algumas em jarros, mas a maior parte do tempo plantadas no chão. A gente tinha casa de praia e sempre ia. Aprendi a engatinhar na areia da Ilha de Itaparica. Minha família por parte de pai era do recôncavo. E a gente sempre ia e passava por um açude pra tomar banho de rio. E na ilha também tinha um “Sonrisal” de água doce que a gente ia.
As minhas primeiras lições como benzedeira veio desse contato íntimo com a natureza desde sempre. Estaria mentindo se dissesse que a Mona criança ou adolescente era fascinada por tudo isso desde pequena. Apenas era o mundo que ela conhecia, portanto natural.
As outras lições vieram do contato com minhas avós. Ambas noventenárias e vivas. Também estaria mentindo se te dissesse que minhas avós me ensinaram a benzer. De forma direta não. Mas quem sente uma conexão, uma curiosidade com pessoas mais velhas desde cedo geralmente descobre alguma vocação espiritual no futuro.
O conhecimento aqui veio principalmente das histórias. Vovó Vavá contava como era a roça quando ela era criança. Que ela amava sambar na festa de reis com seu pai que era pandeirista, mas que sua mãe passou a proibir, para que ela não ficasse “falada”. Vovó Mundinha contava histórias fictícias. Aquelas lições que as crianças precisam aprender através dos símbolos e que apenas eles têm o poder de atingir as crianças e prender a atenção.
Quando eu era criança, ela incensava a casa, usava chás, fazia oferendas para Iemanjá e ia na missa. Uma vez num jogo de búzios falei desse hábito de vovó Mundinha, de incensar a casa. A mãe de santo criticou dizendo que isso era “coisa da igreja católica”. Até que descobri na verdade que esse era um hábito muito mais antigo e que na verdade vinha do Egito. Tão negro quanto os Orixás.
Minha vó Vavá não era muito chegada a essa coisa de chá. Mas mainha sim. Lá em casa sempre tinha um chazinho da dor de cabeça, dor no estômago, cólica… Já painho adorava plantar as coisas no jardim, fazer horta e ver elas crescerem (ou se retar quando não dava muito certo 😀 ).
Minha memória de ser benzida a primeira vez foi no sertão, onde viviam parentes de mainha. Eu tinha 12 anos. Estava com minhas primas e elas me levaram na casa de um benzedor. Acontece que chegando lá ele mandou eu levantar a blusa pra me benzer. Eu não fazia ideia que isso era abuso. Só anos depois que eu descobri. Fiquei morrendo de raiva e impotência quando soube.
Aos 18 anos comecei a estudar bruxaria. E dentro da bruxaria a área que mais me interessou foi o uso das plantas. Fiz vestibular pra farmácia movida por esse fascínio pelas plantas e seus poderes. Acontece que a maioria dos livros que eu encontrava, falava sobre plantas usadas na Europa. Era enlouquecedora a busca por uma erva para realizar um feitiço. Num tempo sem a internet como conhecemos hoje, pense aí? Não fazia o menor sentido!
Foi aí que a espiritualidade me direcionou para pesquisar plantas que tivessem a ver com a minha história. Sertão e recôncavo da Bahia. Na faculdade de farmácia como já disse em outro texto aqui do blog, tive contato com as feiras, os terreiros de candomblé e as erveiras ligadas ao Mosteiro de São Bento.
Depois que me formei, os banhos de ervas, os defumadores e a visita a terreiros de candomblé e umbanda já faziam parte do meu autocuidado espiritual. Até que um dia eu vi um anúncio de um curso sobre plantas mágicas. Mas com abordagem baseada nas religiões de matriz africana. Dentro desse curso a gente tinha um módulo onde ensinava a arte de benzer. Estaria mentindo se te dissesse que saí de lá segura para benzer quem quer que seja, mas me arrisquei a fazer algumas limpezas em pessoas próximas e me surpreendi com os resultados. Embora ainda não me considerasse benzedeira.
Tanto durante a minha jornada acadêmica quanto após eu me desconectar da universidade, eu tive contato com muitos benzedores e benzedeiras. Com alguns eu só conversei, com outros eu “recebi um axé” através do benzimento. Me lembro que um dos episódios da série “Comida aqui é Mato” eu conheci uma benzedeira no Quilombo Pitanga dos Palmares, aqui pertinho de Salvador.
Essa senhora me benzeu e a gente conversou muito. Se não me falha a memória o nome dela era Rita. Nessa conversa eu comecei a me achar parecida com ela, eu comece a dar passagem para meu dom. Nesse tempo eu benzia só gente conhecida.
Mas ela me deu muita inspiração e coragem pra levar isso adiante. Então eu digo que além do contato com a natureza, com as minhas ancestrais, com diversos benzedores e benzedeiras, com as religiões de matriz Afro, essa senhora foi uma das minhas principais mestras.
Mas só recentemente eu comecei a benzer por ofício. Porque me faltava algo que considero fundamental na arte de benzer: encontrar seu próprio estilo. Eu por exemplo benzo praticamente calada. É a minha forma de me conectar com Deus e receber as mensagens para passar aos clientes.
Em resumo eu diria que quem me ensinou a benzer foi meu próprio caminhar na Terra. Acredito que já nasci benzedeira e que todos esses encontros serviram para o despertar do meu dom. Além da maturidade, claro. Os dons vão se fundindo à experiência de vida. Hoje tenho 44 anos e muita coisa vivida. Embora não acredite que exista idade para começar, a experiência me ajuda a ter um melhor entendimento das mais variadas questões que afligem a humanidade.
Para agendar um benzimento comigo envie um e-mail para [email protected] . Para me conhecer melhor, acesse meu perfil do Instagram: @monasoars .
A foto que abre o texto foi tirada com a benzedeira que conheci no Quilombo Pitanga dos Palmares. Ela segura folhas de Pinhão Roxo.
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Mona Soares é graduada em farmácia pela UFBA e especialista em manipulação cosmética pela ABEFARMA.
Estuda plantas medicinais, perfumaria mágica, bruxaria, aromaterapia, cosméticos e afins desde 1999.
É benzedeira e mentora de alquimistas.
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