Os caminhos da vida dificilmente são lineares. E comigo não foi diferente. Saiba um pouco da minha história e como eu me tornei artesã de cosméticos.
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Terminei o ensino médio sem ter a menor idéia do que iria fazer da vida a partir dali. Foi um ano bem atribulado, foi o ano que perdi meu pai e as coisas ficaram muito difíceis pra mim. Além disso tudo eu ainda tinha que escolher uma profissão pra vida toda.
Sempre tive uma enorme dificuldade em tomar essa decisão. Eu tinha um problema na escola. Eu era boa em todas as matérias. Eu gostava de matemática tanto quanto de literatura, gostava de química tão apaixonadamente quanto de história. Falo isso sem nenhuma modéstia, até porque isso foi encrenca pra mim nessa época, já que quando a pessoa era boa em gramática, literatura e história era fácil: iria fazer direito ou letras, por exemplo. Se curtia biologia e química, tranquilo: iria fazer medicina, biologia ou odontologia. Se fosse fera em matemática e detestasse português, com certeza seria um ótimo engenheiro. Eu nem conseguia imaginar uma profissão que fosse fora do modelo “entrar pra universidade, se formar e arrumar um bom emprego na área; de preferência público”. E deste modo, acabei fazendo vestibular pra Ciência da Computação na UFBA e passei.
Foram anos muito difíceis. As minhas notas despencaram assustadoramente e eu me sentia um peixinho fora d’água e um patinho feio ao mesmo tempo. Eu não tinha noção do estava fazendo ali. Foi quando decidi mudar de curso. Nessa época, eu estava encantada com o universo das plantas medicinais, e do seu uso mágico também. Era início de século, de milênio e de década e estudar Wicca estava na moda. Nesse tempo estudei tarô, runas, meditação, rituais antigos e me encontrava cada vez mais perdida dentro da universidade. Optei por fazer o vestibular de Farmácia também na UFBA. Passei, me despedi de Ciência da Computação e as coisas começaram a melhorar pro meu lado. Minhas notas melhoraram um pouco e apesar de haver uma identificação maior com o curso, eu me encontrava igualmente perdida! Ainda como um peixe fora d’água e mais patinho feio ainda, pois em Ciência da Computação eu consegui fazer alguns amigos, já em Farmácia foi bem mais difícil de me relacionar com as pessoas. Eu pensava muito diferente dos meus novos colegas e meus amigos sempre cursavam outras coisas, como Ciências Sociais, Teatro ou Geologia.
Sempre gostei dessa frase, mas nunca imaginei que um dia ela fosse fazer tanto sentido pra mim. |
Fui empurrando esse curso com a barriga: abandonava matérias, trancava semestres, me matriculava em disciplinas totalmente diferentes das do meu curso, como Introdução à Dança, Produção de Documentários, Antropologia das Drogas, Expressão Corporal, além de me afundar em diversas leituras sobre Wicca, Cinema, Psicologia… tudo, menos farmácia! Cogitei desistir várias vezes, tentei outros vestibulares nas mais variadas áreas (porém sem sucesso), fiz um monte de cursos aleatórios, desde História da Arte até Astronomia. Tudo no mundo parecia mais interessante que o curso de farmácia.
Como as minhas tentativas de mudar de curso na universidade não deram certo, eu me conformei em levar farmácia até o fim, buscando sempre coisas “menos piores”. Pensar em seguir uma pesquisa era impossível, já que minhas notas eram ridículas. Eu adoraria pesquisar as plantas, mas nem podia pensar em pedir a algum professor pra me orientar na época. Iam rir da minha cara, certamente! Foi aí que apareceu a chance de estagiar na atenção básica do SUS. A seleção não avaliava as notas dos alunos. Eu me joguei e passei. Foi muito legal. Era um trabalho feito em comunidades periféricas da cidade. Era uma turma multidisciplinar e trabalhávamos com saúde e educação. Foi um período muito rico pra mim em termos de conhecimento. Fiz meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) com esse tema, me formei e fui rapidamente absorvida pelo mercado de trabalho.
Fui contratada para trabalhar em uma farmácia comercial. Foi um dos períodos mas horrendos da minha vida. Primeiro porque eu nunca fui muito fã dos tratamentos alopáticos. Segundo porque a farmácia é um espaço que muito se distancia de um estabelecimento de saúde, como deveria ser; já que é um mero empreendimento com interesses unicamente financeiros, a meu ver, incompatíveis com o que penso sobre saúde. Terceiro porque aquele esquema de trabalhar 6 dias por semana estava me sufocando. Eu tinha me afastado da minha família e dos meus amigos pra viver em função de um trabalho que eu detestava. E agora? O que fazer? Tinha que dar um jeito de sair daquilo.
Tava todo mundo da minha geração, meus ex colegas de faculdade (de farmácia ou não) tentando ou cursando mestrado ou doutorado. Pensei em tentar algo ligado a antropologia, que eu gostava bastante na época. Mas não tive coragem. Seria uma mudança muito brusca pra mim e fiquei com medo de ficar sem emprego no futuro. Encontrei então uma opção que unia os dois mundos: entrar no programa de Ciências Sociais e Saúde do tão cobiçado ISC (Instituto de Saúde Coletiva). Tudo pareceu se encaixar. Comecei a escrever um projeto sobre plantas medicinais usada em uma comunidade quilombola do recôncavo da Bahia. Continuava trabalhando na farmácia e estudando nas horas vagas (horas essas que eu criava, porque meu tempo era escasso). Numa manhã de quarta-feira, saio pra trabalhar e encontro a farmácia completamente alagada. Os funcionários desesperados tentando salvar o estoque, enquanto jorrava água pelas paredes. Tomei a decisão de fechar a farmácia, salvar parte do estoque e enviar para o descarte os medicamentos molhados. Não tinha condições de vender nada até retirarmos toda a água e arrumarmos a bagunça. Eu como responsável, teoricamente tinha poder pra isso. Mas minha atitude não foi bem vista pelos meus superiores, já que naquele dia “por minha culpa, a farmácia deixou de vender centenas de reais”. Fui chamada para uma reunião e fui demitida. Confesso que fiquei aliviada. A minha revolta se devia unicamente ao motivo da minha demissão. Mas agora eu teria mais tempo para me dedicar ao mestrado e a grana da recisão me daria um tempo até eu entrar na pós e ganhar a bolsa.
A seleção envolvia muitas etapas e eu estudava dia e noite. Embora eu não tivesse boas notas da graduação, consegui arrumar uma orientadora. Enviei um e-mail pra todos os possíveis professores que poderiam me orientar. Até que uma me respondeu. Renomadíssima, por sinal. Eu vibrei de alegria. No corpo do e-mail ela ainda colocou que não iria pegar alunos para orientar naquele ano, mas que meu projeto era tão bom que ela abriria uma excessão pra mim. Perfeito! Me sentia cada vez mais perto do mestrado e assim todos os meus problemas estariam resolvidos. Viveria de bolsa por um tempo e seguiria uma vida acadêmica e feliz. Minha profecia ia se concretizando aos poucos: ia sendo aprovada nas etapas da seleção e o funil se estreitando. Até que chegou a última etapa: a entrevista. Eram 24 pessoas para 20 vagas. Já me sentia dentro.
Estava tão nervosa, que mal conseguia respirar. Foi quando chamaram meu nome e me fizeram um monte de perguntas. Achei a entrevista muito tranquila, bem mais tranquila do que eu imaginei. Uma semana depois, saiu o resultado e meu nome não estava na lista dos aprovados. Eu não podia acreditar! Cheguei a olhar várias e várias vezes e liguei pros colegas que já estudavam lá. Foi um tal de “calma, Mona, o ISC é muito difícil mesmo”, “a banca não deve ter ido com a sua cara, ano que vem é outra banca e você passa”, “quase ninguém entra no ISC de primeira, ano que vem tem de novo”. Mas eu não ouvia nada. Eu só tinha vontade de matar todo mundo e me matar em seguida (quem nunca?Hehehe). Chorei copiosamente durante 3 dias e 3 noites. E me perguntava: o que eu iria fazer agora? Pegar a linda carta de recomendação que eles me deram na farmácia após a demissão e arrumar um emprego em outra farmácia? A grana que recebi não daria pra eu ficar um ano sem trabalhar. Eu ficava desesperada só de pensar em voltar a trabalhar em farmácia comercial, tinha que dar um jeito. Mas o que fazer? Como eu ia viver? Me afundei em profunda depressão e ficava navegando pela internet o dia todo trancada no quarto. Foi aí que encontrei a saboaria natural. Foi aí que eu vi uma luz brilhante e acender no fundo do poço. Eu não imaginava viver disso, ainda, claro! Mas eu queria conhecer melhor esse universo e estava encantada. Fiz cursos, comprei livros, estudava avidamente a saboaria e a cosmética natural. Minha vida começou a fazer um sentido absurdo. Eu comecei a ver ali que tudo que eu passei teve um motivo e que eu poderia usar todos aqueles conhecimentos desconexos em uma coisa só: o meu novo empreendimento de cosmética natural. Aí veio o nome da marca, vieram inspirações variadas, e vieram dias felizes que eu falarei mais em uma próxima oportunidade, já que o texto ficou muito longo. Quem leu até aqui, muito grata pela atenção e até a próxima postagem.
Um beijo,
Mona