Cheiro mexe com toda gente, não é mesmo? É verdade que o olfato foi perdendo a importância para a humanidade à medida que o homem foi virando ‘erectus’, dizem os pesquisadores. Também observa-se um mundo cada vez mais audiovisual, principalmente visual, onde grande quantidade de estímulos entra por nossos olhos a dentro (as redes sociais que o digam).
Mas não deixamos tão de lado assim o olfato. Ele ajuda a nos tirar de vários apuros. Nos avisando por exemplo que um alimento está estragado, ou que precisamos tomar um banho. Os bebês tem no olfato um sentido importantíssimo. Através dele, é possível reconhecer o cheiro da mãe e poder localizar o leite materno também.
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1. Jasmim, um dos meus aromas favoritos
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Fragâncias têm o poder de nos invadir e alcançar espaços onde a visão e audição escapam. Tratando-se de um cheiro familiar, a memória dos momentos vividos aparece quase instantaneamente. Todo mundo gosta de sentir um cheiro agradável não é? Cheirinho de livro novo, o cheiro da pessoa amada, da casa dos avós, do mar numa noite de ventos intensos e do perfume favorito.
Tratando-se de cosméticos, quem nunca abriu uma embalagem de xampu para sentir o cheiro antes de levar o produto? Quem nunca desistiu de comprar uma máscara capilar, por melhores que fossem suas promessas, por ter um cheiro que nos é repugnante?
Acontece que o mundo mudou. E os cosméticos também. Vivemos uma retomada de aromas naturais nos produtos de higiene e beleza. Antigamente os aromas usados vinham da natureza: resinas que exsudam de troncos de árvores, essências destiladas de folhas e flores e glândulas de animais era o arsenal com que contavam os perfumistas de antigamente, mas a síntese de moléculas semelhantes àquelas encontradas nas plantas parecia resolver todos os problemas.
Em primeiro lugar, os aromas naturais são impossíveis de serem reproduzidos sinteticamente em sua complexidade. Um bom ‘nariz’ consegue perceber se a essência em questão trata-se de uma rosa sintética ou natural. Os aromas naturais são muito mais multifacetados, ao contrário dos sintéticos, que exalam um cheiro linear.
Agora vivenciamos um problema bem maior, com a descoberta de que os ftalatos, compostos químicos aromáticos presentes nos aromas sintéticos, são potencialmente cancerígenos e podem causar outros danos sistêmicos.
O crescente mercado de cosméticos naturais/orgânicos encontrou uma alternativa nos óleos essenciais para trazer virtudes adicionais a seus produtos, além de deixá-los com cheiro agradável. Parecia ser a melhor alternativa, e é, quando bem utilizado. Mas nem sempre é o que acontece.
Óleos essenciais não são ‘um simples cheirinho’. Eles agem a nível mental, emocional, físico e até espiritual segundo algumas teorias. Um exemplo simples de ação a nível físico é relativa ao óleo essencial de alecrim. Ele pode levar uma pessoa hipertensa a uma grave crise, pois aumenta a pressão arterial. Gengibre pode levar à insônia. Algumas pessoas sensíveis relatam crises emocionais por uso de algum óleo essencial mal empregado.
Esse é um assunto delicado, principalmente porque no Brasil temos muito forte essa cultura do cheiro. As pessoas buscam por produtos ‘cheirosinhos’ ao máximo. Muitas delas tem os sentidos tão entorpecidos por aromas artificiais, que quando alguém oferece um aroma delicado numa dose segura, a pessoa sequer consegue identificá-lo.
A Ewé oferece cosméticos aromáticos com uso responsável dos óleos essenciais. Muita gente adora, mas algumas pessoas ficam um pouco decepcionadas, por esperar algo com cheiro muito ativo ou pronunciado. Tudo que eu posso fazer é explicar que é assim pelo bem do próprio consumidor. Não posso superdosar um óleo essencial em um sabonete ou manteiga corporal, por exemplo, com risco de causar um problema futuro na pessoa. Isso seria irresponsabilidade. E tenho o dever ético de não ser irresponsável, mesmo correndo o risco de perder alguns clientes.
Vendo pelo lado positivo, o uso delicado, sutil e responsável de óleos essenciais em cosméticos é um convite para desintoxicarmos nossos sentidos, nos abrirmos para novos aromas e cheiros. É um chamado à gentileza, a tratarmos nosso olfato com o carinho que ele merece, oferecendo-lhe uma experiência sensorial mais delicada.
Quando comecei a mexer com óleos vegetais – óleos essenciais e óleos vegetais possuem conceitos diferentes; muito resumidamente, óleos essenciais são voláteis e por isso exalam cheiro fragante e agradável, óleos vegetais são compostos gordurosos e não voláteis – principalmente me referindo a óleos vegetais orgânicos, estranhei muito os cheiros de início. Algumas gorduras tem aroma delicioso, como cupuaçu (tem cheiro de fruta) e cacau (tem cheiro de chocolate). Mas outras não me agradaram de início. O Patauá por exemplo, tem um cheiro forte de fruta fermentada. A Ucuúba, tem um cheiro de capim úmido prestes a estragar, o Maracujá tem um cheiro muito seco, bem diferente do cheiro da fruta, Andiroba tem cheiro de chá amargo, o Licuri é tão doce que pode enjoar.
Mas posso dizer que com a convivência constante com todos esses óleos vegetais me fez não só me acostumar com eles, mas também vê-los com outros olhos (ou melhor, cheirá-los com outro nariz). Aprendi a amar o Patauá nos meus banhos de óleos capilares, percebi que a Ucuúba tem mesmo é cheiro de floresta densa, fechada, cheia de matéria orgânica rica e nutritiva e fiz até um sabão de castanha, sem óleos essenciais (somente um chá de breu branco e um pouco de resina de copaíba), onde o cheiro da castanha encontra-se predominante. De primeira, me desagradou, mas depois pude sentir seu cheiro de madeira doce. Por isso em alguns momentos, aromatizo meus sabões com óleos essenciais e em outros, deixo-os sem essência, ou somente com extrato de ervas, que possuem cheiro bem suave.
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3. Sabonete de Castanha do Pará, sem óleos essenciais
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E vocês? Alguma experiência de mudança de conceitos sobre cheiros?
Imagem 2: Da Ilustradora Cathy Delanssay